E um dia, ela saiu
insatisfeita, mas sabia que iria voltar. Saiu e virou a esquina. Uma multidão
de rostos, roupas coloridas, corpos salientes, sorrisos e gargalhadas a invadiu
e a atravessou como se não estivesse mesmo ali. A cada cor palpitante que passava,
evadia-se da sua alma aquele cinza morno que parecia nunca mudar, nunca
deixa-la, nunca sair. Sentiu-se incendiar. E por puro ato de masoquismo, alguns
achariam, quis mais incêndio, quis mais dor, mais amor, mais tristezas
devastadoras, mais paixões que machucavam, mais felicidade divina que não
acreditava existir. Naquela hora, sentiu o peso de uma vida de conhecimento que
negou por tanto tempo. Ah, a comodidade lhe fizera tanto bem, mas aquele bem
tranqüilo, que entorpece, que faz a vida passar enquanto você a observa.
Naquele momento, não sabia se iria voltar. Levada pelos pensamentos, como mãos
que a empurravam em direção a um destino que desconhecia, atravessou a rua e
sentiu a areia fria tocar seus pés. Cada sensação arrebentava seu corpo como se
não sentisse há muito tempo. Sentiu o frio da areia gélido, sentiu as cores
explodindo no por do sol, por trás do escuro amedrontador de uma colina, sentiu
uma vida por trás de cada luz das casas que conseguia ver, uma combustão em
cada pessoa que passava por ela, sentiu a força por trás das ondas que teimavam
em rebater-se na orla, a energia vívida de batalhador do vendedor de cocos, a
melodia deliciosa de uma música ao longe. Sentiu-se apaixonar por cada sensação
única que sentia naquele momento e por todas aquelas que viriam em seguida. Não
queria voltar nunca mais para aquele entorpecimento, queria exaurir cada
segundo e cada respiração que dava. E, neste momento, soube que não iria
voltar. Iria adiante. Sempre adiante. Iria correr e agarrar a vida, que passava
tantas vezes enquanto ela apenas olhava sem se mexer.
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