quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Feeling Good


Gosto de ouvir Nina Simone domingos à tarde, principalmente naqueles domingos ensolarados, em que o sol produz aquela iluminação ideal no ambiente e entra uma brisa fresca pela janela. Deitada numa cama com lençóis frescos, daquele jeito que te faz pensar em lençóis brancos pendurados num campo verde por uma matrona italiana na Sicília, sentindo o silêncio da rua, a delicadeza da pele. A voz grave enche o quarto, a casa, ocupa todos os cantos, ocupa o corpo e tem aquele efeito de semicerrar os olhos e não pensar em absolutamente nada. Gosto desses momentos de estimular tanto as sensações que a consciência fica dopada, em stand by, e os pensamentos, suspensos até aquilo acabar, e, quando se recobra a vigília, olho em volta e me pergunto quanto tempo se passou. Gosto de cantoras com vozes fortes porque as imagino sempre com a mesma personalidade de mulheres mandonas, desinibidas, donas de si, bravas e corretas, com aquela força ensinada pela vida, mas ao mesmo tempo femininas, sutis em seus vestidos longos e brilhantes e na delicadeza de um coração de mulher. Mulheres convictas, mas que não são frias. 

A primeira noite


Era primeiro de janeiro, a noite estava quente, as ruas vazias e desertas sofrendo a ressaca do dia seguinte às excessivas festividades de fim de ano. O silêncio, a calma, a brisa leve, as luzes pálidas vindas de dentro das casas entregavam o espírito de reflexão que tomava o ar ao sentir que se parava pra pensar pela primeira vez em vários dias. Porque agora tudo recomeçava. O fim de ano tem aquele poder de tornar tudo finito, tem-se a impressão de que todas as agonias vão encontrar seu fim, todos os problemas serão solucionados, assim como o dia a vida com suas angústias renascerão, iluminados e calmos, resolvidos e tenros na paz das primeiras luzes da madrugada do dia seguinte. Mas o início é recebido a duras penas, da maneira mais sutil. Aos poucos, os pensamentos voltam a repovoar as mentes que entraram num estágio de dopada despreocupação, inertes a tudo que se via nos momentos de vigília. Caminho pelas ruas, vejo as luzes trêmulas azuladas das televisões dentro das casas, imaginando seus habitantes que observam a tela mas cujas mentes estão a milhares de quilômetros, focadas num peso de reflexões que é capaz de abarcar todos os meses do novo ano, todos os projetos, pessoas, situações financeiras, num tipo de sofrimento por antecipação, se é que assim podemos chamá-lo.
Sento-me no único bar aberto e me deleito com esse tipo de sentimento que parece atingir a todos os trabalhadores e clientes. Uma mulher fuma um cigarro em pé na calçada com o olhar perdido. Um homem toma sua cerveja sozinho e cruza os olhares comigo por alguns segundos, para logo depois desviá-los. O garçom de avental preto observa de um canto distante do bar. Um ano já acabou, mas o outro ainda não começou. É exatamente nesse limbo que nos encontramos agora, nesse período de descompatibilizar-se do que passou e refletir sobre o que vem. Tomo alguns goles de água gelada e olho para o lado. Por entre os muitos edifícios que cercam a praça, um filete de céu que revela a ponta de uma lua minguante. Por alguns segundos, fico acometido por uma enorme satisfação, pois veja bem, haviam tantos espaços tampados por onde a lua poderia ter se colocado, mas ocupou justo aquele único filete de céu que se mostrou para mim. Senti-me num espetáculo único, privado, maravilhoso em sua simplicidade e naturalidade, mas que só se mostrou pra mim, ali, durante aqueles minutos excitantes.
Por esses minutos, fui capaz de abandonar minha alma crítica e rabugenta e concentrar-me apenas na felicidade de experienciar aquilo que o céu resolveu por me oferecer. Talvez seja providencial. Pessoas assim, azedas por natureza, parecem que sempre estarão assim, mas na verdade, por uma alegria mínima e simples somos capazes de nos derreter mais que o mais romântico violinista apaixonado na sarjeta tocando uma valsa para aquela que ama. É, creio que tenha sido um tipo de obra divina providencial que interpretarei como um sinal onírico de otimismo para esse momento de limbo. Que agora já sinto que o novo ano começa.