Era primeiro de janeiro, a noite
estava quente, as ruas vazias e desertas sofrendo a ressaca do dia seguinte às
excessivas festividades de fim de ano. O silêncio, a calma, a brisa leve, as
luzes pálidas vindas de dentro das casas entregavam o espírito de reflexão que
tomava o ar ao sentir que se parava pra pensar pela primeira vez em vários
dias. Porque agora tudo recomeçava. O fim de ano tem aquele poder de tornar
tudo finito, tem-se a impressão de que todas as agonias vão encontrar seu fim,
todos os problemas serão solucionados, assim como o dia a vida com suas
angústias renascerão, iluminados e calmos, resolvidos e tenros na paz das
primeiras luzes da madrugada do dia seguinte. Mas o início é recebido a duras
penas, da maneira mais sutil. Aos poucos, os pensamentos voltam a repovoar as
mentes que entraram num estágio de dopada despreocupação, inertes a tudo que se
via nos momentos de vigília. Caminho pelas ruas, vejo as luzes trêmulas
azuladas das televisões dentro das casas, imaginando seus habitantes que
observam a tela mas cujas mentes estão a milhares de quilômetros, focadas num
peso de reflexões que é capaz de abarcar todos os meses do novo ano, todos os
projetos, pessoas, situações financeiras, num tipo de sofrimento por
antecipação, se é que assim podemos chamá-lo.
Sento-me no único bar aberto e me
deleito com esse tipo de sentimento que parece atingir a todos os trabalhadores
e clientes. Uma mulher fuma um cigarro em pé na calçada com o olhar perdido. Um
homem toma sua cerveja sozinho e cruza os olhares comigo por alguns segundos,
para logo depois desviá-los. O garçom de avental preto observa de um canto
distante do bar. Um ano já acabou, mas o outro ainda não começou. É exatamente
nesse limbo que nos encontramos agora, nesse período de descompatibilizar-se do
que passou e refletir sobre o que vem. Tomo alguns goles de água gelada e olho
para o lado. Por entre os muitos edifícios que cercam a praça, um filete de céu
que revela a ponta de uma lua minguante. Por alguns segundos, fico acometido
por uma enorme satisfação, pois veja bem, haviam tantos espaços tampados por
onde a lua poderia ter se colocado, mas ocupou justo aquele único filete de céu
que se mostrou para mim. Senti-me num espetáculo único, privado, maravilhoso em
sua simplicidade e naturalidade, mas que só se mostrou pra mim, ali, durante
aqueles minutos excitantes.
Por esses minutos, fui capaz de abandonar minha alma crítica
e rabugenta e concentrar-me apenas na felicidade de experienciar aquilo que o
céu resolveu por me oferecer. Talvez seja providencial. Pessoas assim, azedas
por natureza, parecem que sempre estarão assim, mas na verdade, por uma alegria
mínima e simples somos capazes de nos derreter mais que o mais romântico
violinista apaixonado na sarjeta tocando uma valsa para aquela que ama. É,
creio que tenha sido um tipo de obra divina providencial que interpretarei como
um sinal onírico de otimismo para esse momento de limbo. Que agora já sinto que
o novo ano começa.
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